RPG old-school não tem história?

 

O culpado
O culpado de tudo


Um dos pontos de maior discórdia quando se trata de old-school é a história. Isso se deve ao que foi estabelecido em meados dos anos 80 (e ratificado pela Revolução Hickman¹) com a ditadura da história no RPG. É a partir daí que temos a hegemonização do conceito de RPG como um "jogo de contar histórias".

Claro que desde o início do hobbie já havia uma disputa sobre qual caminho ele seguiria, e diferentes interpretações, mas podemos demarcar esse período a partir dos anos 80 alto como o início da ditadura da história. Essa ditadura é uma contraposição ao espírito do jogo old-school onde o desafio é o elemento fundamental, e não a história.

Recentemente um influenciador do meio do RPG postou uma frase em que dizia que os jogadores não queriam XP ou tesouros, mas boas histórias. Essa é a síntese do que o RPG se tornou após a Revolução Hickman: um jogo em que o mestre (aqui ganhando o status de narrador/storyteller) conta uma história em que os personagens dos jogadores participam. E para garantir que sua história não saia dos rumos estipulados por ele, o mestre passa a utilizar as ferramentas que compõem o arsenal do mestre ilusionista (alteração de rolagens de dados, railroad, etc.), tudo no intuito de manipular as emoções dos jogadores e contar uma "boa história".

Porém, se "contar uma história" tornou-se a centralidade do RPG, e o resgate/crítica feita pelo movimento old-school renaissance (OSR) a esse tipo de abordagem retoma o desafio como aspecto principal do jogo, aonde foi parar a história no jogo old-school? Afinal, estamos falando de um jogo que se baseia em livros, narrativas e histórias contadas por séculos.

Vamos pensar num exemplo prático de jogo: uma exploração de masmorras. A história pregressa dos aventureiros não é importante porque, a priori, ela não influencia o desenvolvimento do jogo e a solução dos desafios. Os personagens dos jogadores funcionam como proxy dos jogadores, uma ferramenta para eles interagirem com a ficção e os desafios estabelecidos pelo mestre.

Contudo isso não significa que não há história nesse desafio. Ao estabelecer a masmorra como local de exploração, o mestre precisa pensar em quem está usando esse espaço, porque existem tesouros nele, quem o ocupava anteriormente, aonde foram parar os antigos moradores, quem o construiu, etc. Tudo isso imprime no local de exploração uma história a ser desvendada pelos jogadores. E as informações podem ser usadas para desvendar novos mistérios e solucionar a masmorra e seus desafios.

Então não é que não haja história no jogo old-school. A diferença é que ela tem um papel utilitário, reforçando o aspecto principal do jogo que é o desafio. Isso implica também em não ser necessariamente linear (a história está espalhada no local de aventura e pronta para ser desvendada e montada como um quebra-cabeças), não precisa ser despejada sobre os jogadores por mestres que monopolizam todo o espaço de fala durante o jogo (sim, já vi mestres famosos "narrarem" prólogos de aventuras falando sozinhos durante meia-hora!) e, por consequência, tem muito mais engajamento por parte dos jogadores, afinal desvendá-la é parte do desafio!

Que histórias guardam as tumbas do Faraó?


1: A Revolução Hickman se deu com a publicação de Ravenloft e Dragonlance, principalmente, pelo casal Tracy e Laura Hickman. Nesses módulos abandona-se a linha clássica do D&D por um jogo focado em contar uma história. Em Dragonlance os jogadores jogavam com personagens dos romances publicados pelos mesmos autores. Foi um ponto de viragem dentro do RPG, pois devido ao seu sucesso acabou influenciando os rumos que o RPG tomaria a partir dos anos 90.

Comentários

  1. Quem leu na adolescência, e não foi influenciado por esse livro, que atire a primeira pedra! Kkkkkk

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  2. Excelente texto, eu só não gosto da aplicação do termo "ditadura", entendo que foi uma tendência de mercado que pareceu de forma mais lucrativa, influênciada pela mídia de seu tempo, e que teve uma hegemonia centrada na história. O D&D foi um jogo que claramente se perdeu nesse meio do caminho, pois era um jogo que as ferramentas eram voltados para o desafio, mas a intenção dos produtos era contar uma história, gerando o tal ilusionismo.

    Mas vejo que o RPG se dividiu em gêneros diferentes, jogos como os PbtA por exemplo souberam aproveitar melhor o conceito, e oferecer ferramentas para isso (em PbtA não existe alteração de rolagem por exemplo, simplesmente pq o mestre não rola dados).

    Eu sou jogador assíduo de OSR, mas também gosto de jogos de "contar história". Acho que a OSR teve um papel mto importante para o hobby de resgatar esse estilo de jogo centrado no desafio, que de fato parecia perdido até ser resgatado.

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    1. Eu evitei entrar no tema dos jogos narrativistas porque acredito que são um outro caminho para além do mainstream, que é o exemplo central que abordo no texto (particularmente com AD&D 2e em diante, no D&D). Meu foco era apenas discutir sobre como a história se imprime no jogo old-school, mas senti que era importante destacar esse momento de ruptura para deixar claro que há uma diferença no desenvolvimento do RPG a partir do ponto de vista da história.

      O termo ditadura pode ser entendido como uma provocação, mas se analisarmos bem é exatamente o que acontece quando exacerbamos a hegemonia e principalidade da história dentro do jogo, pois é a história o elemento que mobiliza o mestre ilusionista a quebrar a agência dos jogadores. Logo é uma ditadura que retira a liberdade de escolha dos jogadores.

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  3. Na verdade achei o texto bem contraproducente, criando rótulos onde nunca existiu.
    Quem na adolescência nunca se inspirou na mitologia para uma determinada campanha?! As histórias de Tolkien, Arthur e os cavaleiros da távola redonda apenas inspiraram muitos jogadores e/ou mestre (até na construção de fortalezas etc).
    Uma masmorra bem criada, desenvolvida, contém uma boa história.
    A tão famosa caixa preta começa com uma entrega e você é aprisionado pelo mago, o resto é história….
    Por fim, o foco na exploração/desafio em si ainda é o velho problema do OSE que permite a condução da campanha por mestres arbitrários, muitos deles mais procurados em rolar dados aleatórios incidentes ao protagonismo devido aos personagens (o que não se confunde com sua falibilidade).

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    1. Entendeu porra nenhuma é falou muita merda em camarada.

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